segunda-feira, 3 de setembro de 2012

O DESEJO RIZOMÁTICO EM NELSON RODRIGUES


 Por Mayana Soares [1]

“-Eu não sou culpada, Carlinhos, eu juro, é mais forte do que eu – De fato, havia no mais íntimo de sua alma uma inocência infinita”[2]. Nas obras de Nelson Rodrigues o que estava sempre na pauta do dia era o desejo. Sempre o desejo. O desejo rodrigueano não se limita a satisfação moral nem ao prazer, posto que é fluxo, processo, movimento e, por isso, rizomático, sem começo nem fim, apenas meio; sem centro, sem partida nem chegada, apenas fruição. O desejo, como rizoma, é a potência necessária para a libertação sexual e de todas as formas de fascismos. 


Sendo assim, as antigas formas binárias e rígidas da encarnação do desejo, a partir dos modelos socialmente aceitáveis (ou não) pela sociedade brasileira de meados do século XX, são amplamente questionadas na literatura de Nelson Rodrigues. “Santa” x “Leviana”, “Homem-Macho” x “Maricas” são algumas das territorialidades que foram estremecidas em suas tramas, valendo-se da ambivalência para confrontar padrões morais e (re)criar novas linhas de fugas.


Em uma entrevista cedida a Otto Lara Resende, Nelson Rodrigues sentencia: “A adúltera é a mais pura de todas as mulheres porque está salva do desejo que apodrecia nela”. O desejo, como potência criadora, desterritorializa o estigma e desloca a “adúltera” para além do universo das convenções e da falência do desejo.

Este posicionamento do autor pode ser visto em muitas de suas obras. Em uma das crônicas da coluna A vida como ela é..., “O homem que não conhece o amor”, temos a descrição de um homem que, após ter perdido sua esposa “casta” e “de honra inabalável” descobre o amor, o impulso e a vitalidade com Neusa, mulher independente e infiel, que lhe descortina as possibilidades do desejo, e que, principalmente, não se limita nem se poda.Outra importante crônica é “A esbofeteada”. Nesta obra, Silene, a namoradinha desenhada a ser “santa”, implora ao namorado por uma tapa e seu desejo não é limitado pela moral da época. Apanhar do namorado era seu ímpeto. Por esta tapa, ela se redesenha, transita entre os mundos “da santidade” e “da perdição”, busca incessantemente linhas de fuga, produzindo novas rotas de escape.

Por fim, “Dama do Lotação”, obra rodrigueana amplamente divulgada e disseminada por outras mídias. Nesta, encontramos o desejo que se ramifica pelos lotações cariocas. Solange, a esposa “casta”, é descoberta por seu marido. Este, estupefato, ouve o relato de Solange de suas saídas à tarde para pegar o lotação e se entregar ao primeiro homem que encontrar. O marido não aguenta tal humilhação e decide morrer para o mundo. Solange, como uma boa esposa, vela o marido toda noite e, todas as tardes, retorna ao lotação e ao fluxo do seu desejo.

Este ano comemoramos o centenário de Nelson Rodrigues, e nada mais justo do que homenagear a genialidade, a acidez e o legado literário deixado por este autor, que nos permitiu, e ainda nos permitem, viajar e nos desterritorializar. Independente das opiniões diversas, e por vezes, contrárias, acerca de sua obra, este escritor propõe uma cartografia do desejo, cujas conexões permitem múltiplos contatos e encontros. Como poucos escritores brasileiros, conseguiu expressar em sua arte tensões sociais e familiares, e discutir temas considerados “tabus” ou marginalizados de maneira forte, pungente, urgente, dramática, visceral e necessária.





[1] Especialista em Estudos Culturais, História e Linguagens. Possui graduação em Letras com Língua Espanhola. Atualmente, é professora, técnica educacional, pesquisadora no Núcleo de Pesquisa Estudos Culturais (NPEC) e participa do grupo de pesquisa Cultura e Sociedade (CUS). myrs_84@hotmail.com.
[2] Este trecho corresponde um fala da conhecida crônica rodrigueana Dama do lotação, proferida pela personagem Solange, uma das crônicas televisionadas em A vida como ela é, de 1996, media-metragem, encarnada pela atriz Maitê Proença.

2 comentários:

  1. adorei o texto. :)
    não conheço as obras desde autor, mas deu uma vontade danada de ler.rsrs
    (eu escrevo tbm,textos,poesias de uma forma mais romantica)

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    1. Olá Thammy,
      obrigada por ter lido e visitado o site do NPEC. Veja as regras do edital e inscreva seus textos também!

      Equipe NPEC

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