quarta-feira, 4 de julho de 2012

POR QUE VADIA?



Quando jogada no Google a palavra “vadia”, os sinônimos que aparecem são: vagabunda, puta, galinha, biscate, sapeca, desocupada, piranha, kenga, leviana, prostituta. Também, quando procurado seu significado aparecem respostas do tipo: “quem não possui uma ocupação”, “quem se prostitui” ou “mulher que se oferece para homens”. Estas apropriações não nos são estranhas, pois permeiam o nosso imaginário. Representações que binarizam e hierarquizam os sujeitos, como “moça direita” versus “vadia”, tornam estas últimas, as quais são identificadas como “vadias”, seres menores, não possuidoras de direitos, não cidadãs, e, por isso, disponíveis para qualquer tipo de abuso ou crime.


Em 2011, na cidade de Toronto, no Canadá, um policial sugeriu que mulheres que vestem roupas curtas “são consideradas vadias” e estão incitando nos homens o direito de estuprá-las. A partir deste episódio, o termo “vadia” foi reapropriado como uma contestação, um insulto que desse voz e vez às mulheres em todo o mundo, cuja autoridade se traduz como um grito: SOU VADIA, E DAÍ?, e a Slut Walk, ou Marcha das Vadias, se espalhou pelo mundo e tornou-se um protesto internacional, a fim de contestar discursos como estes, que aprisionam as mulheres num ideário de “santidade” e “castidade”, cerceando seu desejo, castrando suas vontades e sua existência.

Como as experiências da Marcha das Vadias, no Brasil, foram bem diversas, pois foram organizadas em quase todo território nacional, demandas específicas foram adicionadas às reivindicações locais e um movimento que, inicialmente, pretendia reagir contra um discurso machista, tornou-se um amplo movimento que abarca demandas em prol de uma sociedade humana liberta do machismo, do racismo e da homofobia.


2 de julho de 2012, feriado estadual em Salvador, Independência da Bahia. Uma segunda-feira, bairro da Lapinha, muitas pessoas. Mulheres vestidas, despidas, pintadas, maquiadas. Homens e mulheres travestidos. Pessoas por todos os lados pintando faixas, cartazes, levantado bandeiras. De apito, de mega-fone ou apenas com suas vozes, cantando, dentre outras canções: “eu como homem, como mulher, tenho o direito de comer quem eu quiser”. Pessoas de todas as partes da cidade, ou do estado, muitas nem se conheciam pessoalmente, mas estavam todas unidas pelo mesmo objetivo: GRITAR POR JUSTIÇA, LIBERDADE E RESPEITO. Esta é uma das possíveis visões da Marcha da Vadias.

Este ano, na cidade do Salvador, a Marcha das Vadias aconteceu numa data histórica. Além do tradicional desfile do Caboclo e da Cabocla, outros grupos organizados também se fizeram presentes e tornou a passeata um ato cívico e popular. Nesse sentido, a Marcha das Vadias, composta de mulheres, homens, trans, sujeitos marginalizados e outros tantos solidários à causa feminista, marcaram presença num importante movimento que não quer apenas “defender” mulheres, mas, sobretudo, lutar por direitos, por cidadania, para todas as pessoas, em suas infinitas expressões de vida.

Sendo assim, a Marcha das Vadias foi marcada não apenas por uma demanda feminista. Transcendeu. Abarcou causas identitárias e pós-identitárias. Sujeitos marginalizados ou hegemônicos. Nos rostos, nos cantos, nos olhos, na alegria, nas expressões, a busca era essa: LIBERDADE PARA EXISTIR!

Alguém me perguntou por que o termo “vadia”, e por que não “Marcha das Mulheres”. Eu respondi: por que ser VADIA traduz o grito preso na garganta de milhares de pessoas, um grito que pede para sair, um grito que quer dizer algo, que diz:


A MINHA EXPERIÊNCIA DE VIDA EXPRESSA A MINHA EXISTÊNCIA, ME RESPEITE PELA MINHA FORMA DE EXISTIR!







Texto: Mayana Rocha Soares
Revisão: Thais Souza
Fotografias: Rafael Vasconcelos
Postagem: Luiza Lopes Silva
(Clique aqui para conhecê-los)

2 comentários:

  1. Poderia começar esse texto fazendo um apanhado histórico das lutas femininas e feministas pelas mais diversas formas de liberdades, mas prefiro iniciar falando das guerreiras que se colocaram nas ruas, e mesmo aquelas que ficaram do alto das sacadas, calçadas, que acompanharam e vibraram com esta marcha, que é a representação contrária de muito do que ouvi hoje acompanhando e registrando estas imagens. É extremamente lamentável que no séc. XXI ainda observamos pensamentos e expressões tão mesquinhas, e muitas vezes daquelas (es) que sofrem com a violência machista. Essas guerreiras que vão as ruas lutar diariamente, e aproveitam um momento cívico para se posicionar e fazer ressoar nas ruas da cidade um grito, um grito há muito estava calado, mas que hoje alcança os ouvidos e fere como ferro em brasa o pensamento que permeia a mente de muitos nessa sociedade hipócrita, e que se vale de um “pseudo” não-preconceito para esconder um machismo que fere, ultraja e mata. Essas mulheres foram às ruas não para mostrar seus corpos, mas para reafirma o seu poder sobre eles, e dizer a quem quiser ouvir, e para aqueles que não quiserem só deixo o meu lamento. A cada dia as mulheres se desvencilham das barreiras imposta por uma inferioridade forjada ao longo de uma história que foi dominada e escrita pelo patriarcado e pelo machismo e ganham a liberdade que buscam. Ouvi os mais diversos comentários, mas sei que estes comentários refletem justamente esta educação machista, que considera que o espaço da mulher não é o de luta, e sim de submissão, comentários do tipo: “realmente, elas estão na marcha certa, tudo um bando de vadias”. Assim como o policial canadense que em 2011 disse: "Para evitar o estupro, as mulheres devem evitar se vestir como vadias”. somos culturalmente levados a acreditar que a forma como cada uma se veste, se comporta, se coloca diante das mais variadas questões é determinante para o outro se sentir no direito de possuí-la. Encerro essa minha leitura, sem nenhum aprofundamento teórico, mas com uma visão do que vivenciei. E, se para que as mulheres consigam a liberdade, e sejam escutadas pela sociedade, for necessário serem vadias... que sejam! Rafael Vasconcelos

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